sábado, 23 de fevereiro de 2013

De Cila do Lino e Luiz doido, todo mundo tem um pouco.


Calçada é sempre um ótimo lugar pra embalar uma conversa, uma boa conversa. Se o assunto for sobre o passado então, melhor ainda! Agora, se os interlocutores partilham as mesmas histórias, bem, aí conversa deveria durar a noite inteira :)

Eu moro em uma cidade com aproximadamente 3 mil habitantes. Por aqui a gente mais ou menos conhece todo mundo, e se não conhece, basta alguém refrescar a nossa memória; "é filho de fulano, casado com ciclana, amante de beltrano!" funciona. Já a birutice alheia todo mundo conhece de cor. E preciso confessar que apesar do número assustadoramente pequeno de habitantes, temos uma bela lista de personalidades com parafusos a menos. Nossos ilustres malucos são como patrimônios históricos da cidade - disseminam jargões, tocam o terror, ridicularizam os "normais" (essa é sempre a melhor parte), e justamente por isso quando ao acaso "somem do mapa",  fica um  enorme vazio nas ruas dessa vilinha quase fantasma.

Atendendo  a pedidos de uma pessoa ~ quase normal ~ aqui vai a uma lista dos principais integrantes da turma da camisa-de-força:

Carlito - O Carlito vem em primeiro lugar porque vira e mexe em alguma conversa nós lembramos dele, e sempre com a pergunta "onde foi parar o Carlito?". Esses dias me disseram que ele está bem, só isso, mas enfim. O Carlito de longe até que era bem normal, viu? Passava o dia inteirinho andando de bicicleta. Mas aí, se você desse um capacete pra ele... Ele passava o dia todo andando de bicicleta usando o capacete. O mesmo acontecia se você desse um chapéu de palha, um colar de pérolas, uma bota e bem, por aí vai. O Carlito era o tipo de louco "bonzinho" que até fazia favor pros outros e não incomodava. Ninguém ficava puto se, por exemplo, ele se sentasse junto com a gente no banquinho da praça. Muito pelo contrário! O Carlito era bem-vindo porque era engraçado, não de um jeito que as pessoas tirassem sarro dele, de um jeito natural, dando seus preciosos pitacos. E o Carlito também sabia "coisas". Não, ele não era vidente. Só tinha um lado meio fofoqueiro, e era só apertar pra gente ficar sabendo de um monte de barbaridades, hehe!

Legal - A Legal era a nossa quiromante oficial e por isso o apelido; chegava, pegava na mão da gente e ficava "hmmm, legal, legal...hmmm, legal, legal você vai conhecer uma pessoa...hmmm, legal". Desde que eu me lembro ela sempre foi bem velha, desdentada e uma boa avó durante o dia. Mas quando anoitecia ela entrava na pista pra negócio. Estava sempre em todas as festas, TODAS as festas possíveis. Acho que só eu não tenho uma foto de balada ao lado dela e infelizmente nunca terei. Ela morreu fazem uns dois anos, em uma festa de peão. Caiu da arquibancada e bateu a cabeça. Mas pelo menos morreu fazendo o que mais gostava - festando legal, como ela mesmo dizia.

Cidinha Sabugo - A cidinha sabugo era uma senhorinha magrinha-magrinha, com cara de índia. Andava sempre com uma sacolinha de marmita embaixo do braço e com a saia em cima dos peitos. Praticamente não conversava, mas quando queria xingar, saísse de perto quem não quisesse ouvir os mais baixos palavrões. Ela almoçava quase todo domingo em casa e ainda levava uma quentinha pro seu velho. De repente sumiu. Dizem que morreu.

Luiz Doido - Esse era um louco temido. Catador de latinhas, andava pra cima e pra baixo com um chicote na mão. Ele não fazia mal se você não o perturbasse, mas quem não conhece moleque que compre uma meia dúzia né não? Direto eu via ele correndo com o seu chicote atrás de algum sacaneador mirim. Uma vez ele acertou uma bela duma chicotada nas costas de um amigo meu, porque achou que ele é que tinha o insultado. Até hoje choro de rir quando lembro dessa história o de vergão de chicote nas costas do coitado. Luiz foi embora, mas direto eu vejo a mulher dele vagando nas cidades vizinhas, sempre bem arrumada e catando latinha. Talvez esteja o sustentando. Fica a dúvida.

O Gordo - Nossa, desse eu tinha PAVOR! Sério, pa-vor, me-do, pâ-ni-co. Logo que eu mudei pra cá me deparei com as cenas assustadoras que ele protagonizava. Era deixar o portão aberto pro gordo entrar pelado na casa alheia gritando "dãdãdã" e outras coisas incompreensíveis. Ele era novo, devia ter uns 14 anos nessa época e pouco tempo depois foi internado, pro meu alívio. E deve super adorar usar aquelas roupas de hospitais que deixam a bunda de fora.

Manda Chuva - O Manda Chuva é bem conhecido na região pelo seu ~ dom ~ de chamar chuva. Na verdade ninguém acredita nisso, mas ele mesmo sai espalhando como quem não quer nada seus feitos milagrosos pra desconhecidos; "Ce-ce-ce viu aquele cara pe-pe-dindo chuva? E choveu viu!" flagrei esse migué uma vez no circular. E na maioria das vezes ele realiza seu ritual exatamente quando desce do ônibus em frente o sítio que ele mora. Desce e logo em seguida começa a gritar "MANDA CHUVA SÃO PEDRO, MAAANDA CHUVA, TCHÔ TCHÔ TCHÔ! MANDA CHUVA SÃO PEDRO!" Só que ele também não faz cerimônia, grita em qualquer lugar que ele achar que precisa de uma chuvinha. Mas ele usa seus dons principalmente se algum pilantra pedir. E olha, gritando ele não gagueja nadinha, fato. Pra completar ele anda com uma bandeira de Santo Reis a tira colo, um louco todo personalizado.
Ovo em cima do telhado pra quê?

Beleza - O Beleza não é exatamente um louco. É um bêbado. Mas o que é realmente legal no Beleza é que ele quer parecer sóbrio. A gente sempre manja ele ensaiando quando vai se levantar, ensaiando uma conversa antes de chegar em alguma pessoa ou ensaiando como vai andar até sua bicicleta que sempre está caída em algum canto. Toda vez é assim, testa os passos, toma impulso e vai! Vai totalmente bêbado mas jurando que ta bem. Repetindo "Beleza, beleza... Ta tudo beleza!". Beleza é boa praça, e também não incomoda ninguém.

Sabará, Sabão e Pai-João - Também não são exatamente doidos, a loucura do trio é 90% culpa da pinga. De dia são uma família normal, mas de noite o bicho pega.  O Sabão e o Pai-João só ficam falando bobeira, nada de grandioso. Mas o  Sabará é um bêbado politizado. É só ele beber pra começar a falar de tudo que é merda que a prefeitura aprontou ou continha aprontando. Mas ele tem mesmo é "mágoa" de um ex-prefeito daqui, porque quase sempre é em frente a casa desse ex-prefeito que o Sabará fica gritando os podres políticos que sabe, principalmente os podres do mandato dele. Atitude que pra falar a verdade, dou total apoio.

Negão da paçoca - Ele realmente não é doido, eu acho. É um andarilho que vende amendoim, paçoca e pudim nas festas, em jogos, mas as vezes nem precisa ter um evento pra ele aparecer. Ele chega, arma sua cadeira e sua mesa e fica benzendo com seu saquinho de amendoim quem passa perto dele. O que ele tem de louco é o apetite. É uma lenda viva esse daí. Apesar de não ser da minha cidade, ta direto por aqui e já tive o desprazer de vê-lo comer um pudim inteiro (sim, as pessoas compram o pudim dele pra ele mesmo comer), depois comer dois  lanches enormes e ainda tomar dois litros de coca. Sozinho. Por isso se você passar por essas bandas, e ver uma rodinha de pessoas gritando "VAI, NEGÃO!" não se assuste.

Cila do Lino - Desses não faço ideia do fim que tiveram. A Cila devia ter uns 40 anos quando não saia do posto de saúde porque estava grávida. De 18 meses. Do seu marido Lino. De quase 80 anos. Manja o Eustácio do "Coragem - O cão covarde" ? Então!O Lino era a personificação dele. E a Cila era tipo o Luiz Doido, não apresentava perigo se você não mexesse com ela. Mas ODIAVA principalmente, quando alguém mandava beijo pra ela. Eu sei porque fui inventar de não seguir o "conselho" do meu tio quando eu nem morava aqui, tava de férias e tinha só 10 anos. Veja bem, se você diz pra uma criança de 10 anos não mandar beijo pra uma pessoa, porque essa pessoa vai surtar, ficar doida, e fazer coisas doidas, o que você acha que essa criança vai fazer? Pois é, foi o pior beijo da minha vida, a minha sorte é que naquele tempo eu adorava correr.

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